“É a minha esposa”, diz o Chico, e eu sei logo que vamos ter de fazer uma pausa. Falávamos das podas das árvores, de cujo vigoroso crescimento ele tem tanto orgulho, e eu contava-lhe da superstição lisboeta segundo a qual, no momento em que uma araucária ultrapassa a altura do telhado, o dono deve acertar as suas contas com o Criador.
“Eh, pá, dá-se já um desbaste por cima!”, brinca ele.
Não é totalmente a brincar: gosta mesmo de nós. Já escrevi sobre isso. Mas, quando toca o telefone e é a mulher, faz um gesto solene: “É a minha esposa”. A conversa terá de esperar.
É assim com o homem que me cuida do jardim e é assim com uma série de outros aqui na terra, inclusive os mais durões. Mais do que mulheres, as suas mulheres são esposas. E não porque a existência delas deva definir-se, em primeiro lugar, em função do casamento com eles. Apenas porque essa lhes parece uma palavra mais cerimoniosa.
Uma mulher é uma qualquer. As mulheres deles não são mulheres quaisquer: são esposas. Nem sequer pronunciam bem a palavra: sussurram-na. Nela se concentra respeito, admiração e carinho. E não é sem um sobressalto que, se me distraio, me ouvem perguntar pelas mulheres – se estão bem de saúde, se a filharada lhes tem dado trabalho.
À minha nunca chamam eles mulher. A Catarina é no mínimo a minha esposa, às vezes até a minha senhora. Mas a Catarina, claro, não é como a próxima mulher de 38 anos. A Catarina é de Lisboa. Todos as manhãs vai tomar café à mesma venda que eles. Dá-lhes os bons-dias e fala sobre o estado do tempo. É uma senhora.
Poupa-se imenso em ruído, numa terra assim. E em raiva.
Quanto à araucária, veremos: está precisamente agora a ultrapassar o telhado.
Diário de Notícias, Janeiro 2015
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