Quarta-feira, 31 de Dezembro de 2014
publicado por JN em 31/12/14

31.12.14.jpegNo ano passado, fui à praia até Dezembro. Diariamente, ao meio-dia em ponto, desligava o computador, enfiava o cão no banco de trás e descia até à Silveira. À uma e meia estava de volta. Tinha nadado trinta minutos, passeado o bicho outro tanto e fumado um cigarro em frente ao mar.

Foi a pior fase da minha relação com ele.

Às vezes ponho-me a reler os textos destes dois anos e meio: as crónicas, os diários, a ficção. Só de vez em quando aparece o mar. Revejo as fotografias: o mar está lá, talvez até nas melhores, mas só se mostra de oito em oito.

Recapitulo os passeios, considero as rotinas, conto os piqueniques. O mar manifesta-se, mas não sempre.

Desde o início que o mar é uma presença periférica na vida que aqui temos. O que seria extraordinário se não o tivesse sido também nos primeiros dezoito anos que vivi aqui, até à faculdade.

Não é preciso grande esforço de memória: lembrar é a minha profissão. Nós íamos à praia, e aliás até lhe chamávamos “ir para o mar”. E íamos à pesca, e se podíamos andávamos de barco, e alguns de nós até navegavam entre ilhas. Mas de vez em quando. Em determinados momentos.

Às vezes perguntam-me porque é que as cidades, vilas e freguesias dos Açores se mantêm de costas para ele. Ou porque é que, nas nove ilhas, não há mais do que duas ou três razoáveis esplanadas em frente ao mar. E, em todo o caso, os meus próprios relatos aí estão: porque é que o mar aparece tão pouco neles?

Porque, para os açorianos, o mar é aparição. Pode ser aquilo que une ou aquilo que separa. O que não pode é deixar de ser epifania. Milagre.

O mistério, esse, está na terra. No centro da ilha, mais até do que nas suas entranhas efervescentes.

O mistério está na solidão.

Diário de Notícias, Dezembro 2014

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Terça-feira, 30 de Dezembro de 2014
publicado por JN em 30/12/14

30.12.14.jpegNotas para um conto infantil. Três pássaros: um santo antoninho, um canário e um pardal. Um laranja, um amarelo e um cinzento. Clero, nobreza e povo.

Raros e difíceis de apanhar, os canários: podem criar-se em cativeiro e cantam maviosamente. Vulgares como o mato, os pardais: qualquer um os agarra, mas morrem na gaiola – e além disso comem vegetais, condições sobre as demais abjecta. Fáceis, também, os santo antoninhos. Mas só comem bichinhos e, uma vez apanhados, devem ser devolvidos à liberdade com a delicadeza de quem liberta um anjo.

Ou então com o ressentimento de quem solta do anzol um peixe-sapo.

Evitar meninos bondosos com sotis de cana (os meninos não são bondosos) e pardalinhos com penas de faisão (melhor excluir a burguesia, que só complica). Incluir um queimado, sobrevoando imperial, e talvez um lavrador com uma calibre 20 das antigas.

Mas há uma sotil, sim. Bela como essa que tive na infância, feita pelo velho avô. Quem me dera ter guardado uma fotografia.

Será “sotil” que se escreve? Com “o” ou com “u”, de subtil, tão delicada era? Ou será “setil”, como se diz nas freguesias da Praia? E, nesse caso, a partir do quê? De steel trap? De still trap?

Não encontro o termo nos dicionários. Na internet, só aparece duas vezes, ambas com “o” – sempre escrita por mim. O mesmo com o santo antoninho, vejo agora. “Pisco-de-peito-ruivo”, dizem os sites. Nos açorianos, “vinagreira”.

Ah, não, cá está: “santantoninho”, uma só palavra. Não devia ter duvidado: de todos os nomes, um bom avô ensina sempre o mais literário.

Naquelas quartas classes antigas, não cabiam apenas a fábula e a luta de classes: cabiam o paradoxo e a própria ironia. Tratando-se de passarada, os bons da fita são os carnívoros.

Diário de Notícias, Dezembro 2014

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Segunda-feira, 29 de Dezembro de 2014
publicado por JN em 29/12/14

29.12.14.jpegAo jantar, comemos um coração-de-negro. Partimo-lo em cubos grosseiros e demo-lo a provar ao Melville também. Depois, ficámos em silêncio.

Havia uma árvore lá para cima, nos cerrados, entre os Biscoitos e o Aguilhão. De vez em quando desaparecia no meio dos silvados. Ao fim de algum tempo tornava a manifestar-se, resistindo.

Ficava a uns cinquenta metros de casa, mas para nós era o outro lado do mundo. Nunca lá íamos sem um adulto – apanhar corações-de-negro.

Às vezes dou por mim a chamar-lhes anona, mas por distracção. Os meus antepassados chamavam-lhes coração-de-negro.

Os Açores guardam lendas sobre escravos. Segundo uma delas, aqui da Terceira, um escravo e uma jovem rica viveram um amor proibido, que continuou depois de ela se casar (à força) com o herdeiro do latifúndio em frente. Um dia, o marido desconfiou e mandou prender o escravo, que fugiu para o mato, atravessando montes e vales. Vencido pelo cansaço, sentou-se a chorar – e chorou tanto que se formou à sua volta uma lagoa, onde ele enfim se afogou.

Essa lagoa chama-se Lagoa do Negro e fica junto a um bosque de criptomérias onde Peter Jackson podia ter filmado O Senhor dos Anéis. Gosto de dizer que o coração-de-negro é baptizado em honra do escravo que ali morreu de amor.

Há receitas de coração-de-negro. Procuro na Internet: fazem-se bolos, tartes, mousses. Por mim, como-o cru, lambuzando-me.

Voltei várias vezes aos silvados, nos últimos dois anos, à procura da árvore do meu avô. Não a encontro. Tenho esperança de que reapareça, como sempre. Mas, à cautela, já plantei outra cá em baixo, por detrás do canteiro do funcho.

Cresce saudável e retumbante, como um nativo da floresta tropical húmida. Conto ser seu escravo.

Diário de Notícias, Dezembro 2014

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Sexta-feira, 26 de Dezembro de 2014
publicado por JN em 26/12/14

26.12.14.jpegLeio sobre o drama de Faustino Asprilla, oito anos depois de ter saído das primeiras páginas para regressar a casa, e não consigo ficar-lhe indiferente.

“Dei a vida ao futebol e agora tenho de fugir da minha terra”, diz.

Gostamos de pensar que os futebolistas são mais incultos do que nós. Este não é. Podia ter lamentado a marcha do mundo, o fim dos valores, o enigma do milénio. No momento de erguer a voz, aquilo que lamentou foi que esse caldeirão de desespero e ódio a que chamamos Século XXI possa forçar um homem a partir da sua terra.

Lá de longe, da distante Tuluá, com outro oceano por horizonte, a sua história fez-me sentir um homem de sorte.

Também há problemas na minha terra. Temos alcoolismo e violência doméstica, abuso sexual e gravidez precoce como mais nenhum lugar em Portugal. Lideramos os rankings nacionais de analfabetismo, insucesso escolar e abandono escolar, assim como os de desemprego, Rendimento Social de Inserção e pobreza persistente. Somos últimos no acesso aos cuidados primários de saúde, últimos nas listas de espera para cirurgia e últimos em participação eleitoral. Sempre que o assinalo, arranjo chatices.

Mas ninguém me impede de viver aqui. Asprilla, pelo contrário, é alvo de extorsão, chantagem e ameaças. Tem de partir com a família. Acabariam por matá-los a todos.

E eu, neste lugar tão distante, percebo-o melhor porque, no fim, a sua indignação foi essa: a necessidade de deixar a sua terra.

Ter uma terra é o diabo. É ter uma identidade e é ter uma memória. Ao pé de ter uma terra, tudo o mais me parece menor – o trabalho, a paternidade, a própria a arte.

Ter uma terra é o diabo e é redenção também. Sinto sempre pena de quem não tem uma terra.

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Quinta-feira, 25 de Dezembro de 2014
publicado por JN em 25/12/14

25.12.14.jpegOutras vezes é só isto de entrar num café com uma nota em riste, pedir troco para a máquina de tabaco e receber cinco moedas, um sorriso e nenhum:

– Ai, meu Deus...

Nem lamuriento, nem amargo, nem sequer inexpressivo.

Ainda há pouco, ao passar pelo Retiro dos Cantadores e Tocadores, no lugar a que chamam Vinha Brava. Nunca tinha lá entrado e não sei quando voltarei. Mas vinha cheio de vontade de um cigarro e encostei o carro.

A dona areava tabuleiros, com os seus Crocks de contrafacção. Um velho à espera de parceiros para o dominó chamou-a pelo nome:

– Tens um cliente.

Ela levantou os olhos, sorriu-me. Gritou lá para o fundo:

– Ó João Vítor!

Fez novo sorriso, cúmplice. “Diabo dos homens, que quando são precisos enfiam-se sempre não sei onde”, dizia o sorriso dela. Retribuí. “A sobrevivência tem os seus expedientes”, dizia o meu.

Secou as mãos e veio até ao balcão. Estiquei-lhe uma nota de vinte e pedi câmbio. Fez um ar despachado, deu-me notas e moedas e voltou a sorrir.

Nos Açores nunca faltam trocos. É toda a gente pobre – as moedas são a própria linguagem. Nas ruas da cidade, passam de mão em mão os bilhetes de estacionamento a que restem alguns minutos. Os rapazes das multas vêem-nos chegar imediatamente após carregarem no “Enter” e desfazem-se em desculpas. E em mais desculpas. E em mais desculpas ainda.

As multas são de três euros. Às vezes de dois.

Naturalmente, a ética republicana também tem o seu lado negro. Experimentem dar uma instrução a uma empregada doméstica. Ou manifestar entusiasmo com o trabalho num jantar de amigos. Ou faltar ao jantar.

Mas tudo tem a sua aprendizagem. E, como ponto de partida, isto chega-me: pedir troco para o tabaco e não fazer ninguém chorar.

Diário de Notícias, Dezembro 2014

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Quarta-feira, 24 de Dezembro de 2014
publicado por JN em 24/12/14

24.12.14.jpegDesvio rápido a São Miguel, para burocracias. Marcamos um bife no Alcides, damos um salto à Solmar – e, quanto ao resto, cumprimos o plano e fazemos tempo. É bonita, Ponta Delgada, mas na verdade já temos cidades a mais. Voltamos com frequência a Lisboa e pelo menos duas vezes por semana descemos a Angra do Heroísmo.

Angra perdeu a relação com o mar e a sua economia é hoje muito frágil, mas em tudo o mais supera Ponta Delgada. Tem uma arquitectura mais bela, tem uma história mais rica e, sendo às vezes tão rural como urbana, é infinitamente mais cosmopolita.

As pessoas ainda só usam um telemóvel, ninguém chega atrasado a lado nenhum e as festas são uma alegria.

Ou talvez me assistam sobretudo razões sentimentais. As razões sentimentais são importantes no meu negócio.

De qualquer modo, a religião enforma tudo. Em São Miguel celebra-se o Santo Cristo, na Terceira o Espírito Santo. Em São Miguel Deus é trovão, na Terceira – que o diz é o Maduro-Dias, morro de inveja – vê televisão connosco. Todos os anos o deixamos sete semanas nas nossas salas de estar, sob a forma de coroa, ali pousado ao nosso lado. Não conheço nada mais subversivo do que isso.

Amanhã estaremos de volta. Apanharemos uma viagem terrível, como sempre no Inverno, e chegaremos mais vivos do que nunca. Durante alguns dias, riremos nervosamente dos ventos ciclónicos, dos poços de ar, da aterragem às cambalhotas. Para a semana já nos riremos apenas de nós próprios.

Seja como for, morrer na TAP, a caminho de Lisboa, teria bastante menos nobreza. Os Açores também são uma missão. Qualquer vítima destes aviõezinhos com que vamos desafiando a ordem natural das coisas teria de ser considerada uma baixa de guerra.

Diário de Notícias, Dezembro de 2014

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Terça-feira, 23 de Dezembro de 2014
publicado por JN em 23/12/14

23.12.14.jpegSempre deplorei o amor aos automóveis como o epítome do declínio de uma civilização. Mas não me esqueço do dia em que fui buscar o meu ao barco, após uma semana de alto mar, e de repente dei por mim a lavá-lo à mão, com uma mangueira e um balde, como faziam os meus vizinhos.

“Procuras uma vida mais autêntica, mais livre e parcimoniosa?”, murmurei. “Não fazes mais do que a tua obrigação.”

E, ali, esfregando-o e aspirando-o e polindo-o, eu pude ver-nos, a mim e a ele. E os lugares onde me transportou, e as chuvadas de que me protegeu, e as ideias para textos que tive ao seu volante, e as vezes que o deixei ser assaltado e até multado.

Apeteceu-me pedir-lhe desculpa. E agradecer-lhe. E prometer-lhe que não o empandeirarei como aos outros, em stands de esquina, destinado a alguém que não conhece a sua história.

A nossa.

O campo ensina-nos a dar valor a esse tipo de coisas. No campo, nós podemos deixar envelhecer um objecto sem ir a correr comprar outro para o seu lugar.

O meu carro é um Chrysler PT Cruiser. É tão ridículo como a maior parte dos outros carros que tive – um Visa, uma 4L, um Smart –, e ademais há apenas dois aqui na ilha, o meu cerise e um outro cinzento, pelo que toda a gente sabe sempre onde estou.

Mas voltou comigo. Esteve estacionado no Bairro Alto, depois na Costa do Castelo e agora está aqui, permitindo-me subir e descer serras a pique, passear os amigos que nos visitam, percorrer canadas onde alguns se recusam a entrar de jipe.

Esta manhã chumbou na inspecção, e o meu primeiro impulso foi coleccioná-lo. Também é uma declaração de amor, isso. Assim se ama, a partir de certa idade: decidindo guardar para sempre. E deixando de ter vergonha disso.

Diário de Notícias, Dezembro 2014

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Segunda-feira, 22 de Dezembro de 2014
publicado por JN em 22/12/14

22.12.14.jpegA notícia passou aos berros, num daqueles canais cheios de rodapés. Assim que a jornalista a leu, toda a venda se empertigou como um só corpo vivente.

Determinado a alertar para a necessidade de proteger a floresta amazónica, um jovem cientista inglês oferecera-se para ser engolido vivo por uma anaconda.

– Eh, huóme! – disse o Dimas.

– Tá pegadinhe de cabeça... – disse o Galão.

– Comaié? – disse o Poeira.

– Isse deve sê drogas... – disse o Cabaça.

Não chegaram a perceber que a anaconda, afinal, não ferrara o dente. Teria dado blague para um bom bocado: nem para as cobras o diacho do rapaz prestava.

Em vez disso, saíram para o alpendre.

– Tá frie – disse o Dimas.

– Tá arrepiade – disse o Poeira.

– O que é isse, anaconda? – disse o Galão.

– Home, aquilhe é macaques – disse o Cabaça.

Falaram do calendário lunar e das suas batatas-de-cedo. Não tarda estará na hora de semeá-las. Com esta ausência de chuva, será um tiro no escuro.

De qualquer maneira, não haverá como adiar as favas. Diziam-no bem, os antigos:

Santa Catarina, nem nadas, nem na saquinha

Nossa Senhora da Conceição, favas para debaixo do chão

São Tomé, carrega até ao pé

Repetiram-no todos, corrigindo-se, mas ninguém tentou validar-se sobre o outro. Preocupava-os, quando muito, quem pagava o mata-bicho.

De resto, não lhes saberiam completamente mal uns dias mais a seco, depois do estupor do Verão que tivemos. Um homem, com a idade, amolece um bocado.

Fiz sinal ao Carlos e deixei os bons-dias.

São sempre uma lição, os meus cafés matinais. Às vezes, uma lição das boas.

Nem todos os tipos de ignorância são igualmente dolosos. Nem todos igualmente desprovidos de sabedoria.

Isso interessa-me.

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Sexta-feira, 19 de Dezembro de 2014
publicado por JN em 19/12/14

19.12.14.jpegDa última vez que estive uns dias fora, deixei pedido ao Chico para me pintar um velho aparador em pinho-de-Flandres. Dois anos de nevoeiros haviam-nos persuadido da necessidade de luz. Mandámos pintar várias coisas de verde-água. Os móveis deveriam ser brancos, e o aparador era desafio que só ao Chico se poderia confiar.

O Chico ajuda-nos desde os tempos em que só cá vínhamos nas férias. De vez em quando deitava a mão a algum vizinho. Entretanto, dedicou-se-nos. De noite é um pacato padeiro, uma vez por semana um perigoso faz-tudo.

Cuida-nos da relva melhor do que da sua própria. Dá retoques de pintura, resolve problemas eléctricos. Se preciso de uma limpeza na garagem, divide a jorna a meio e em duas semanas tem a garagem como uma cozinha.

Quando posso, ajudo-o no jardim. Outras vezes ajuda-me ele na horta.

Creio que somos justos com ele, mas nunca nos pediu um aumento. Nunca nos disse que não. De vez em quando traz-nos pão da sua padaria. Ou massa sovada. Ou brindeiras do Bodo.

Com o aparador, tornou a fazer um belo trabalho. Cada folha, cada esquina, cada refego – estava quase tudo impecavelmente lixado e pintado. O espelho, esse, continuava castanho-escuro. Triste. Desmontado a um canto.

“Não sei como fazer”, suspirou.

Acendi um cigarro.

Só então percebi: no topo da moldura, uns arabescos formavam a silhueta de um anjo. O móvel está na minha família há décadas. Nunca tinha dado por aquele anjo.

“É preciso respeito”, meneou o Chico. Como poderia um pecador guindar-se assim ao inefável, sem pensar duas vezes? Sem purificar o coração?

E eu, ateu irredutível, lamentei não ter uma filha que pudesse casar com o rapaz dele. Os meus netos hão-de precisar de um avô.

Diário de Notícias, Dezembro 2014

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Quinta-feira, 18 de Dezembro de 2014
publicado por JN em 18/12/14

18.12.14.jpegUm paradoxo da vida na província é a obsessão com o sábado. Eventos culturais e manifestações de solidariedade, torneios de golfe, reuniões de confrarias gastronómicas e simples encontros de amigos – é tudo ao sábado, como se até as coisas mais divertidas devessem ser despachadas todas no mesmo dia.

De início, faziam-me algum convite, e eu logo de olhinhos em rebrilhâncias, cheio de desejos de pertença: “Claro, lá estarei!” Só então me ocorria averiguar: “Espera, não me digas que também é no sábado...”

E era.

Hoje, já me convidam menos. Falto muito. Mesmo assim, ainda no sábado passado fizeram anos duas pessoas das relações cá de casa.

Em 2015 vão fazer anos num sábado outra vez. Toda a gente faz anos ao sábado. E eu, podendo, peço escusa.

De qualquer maneira, sinto menos culpa este ano do que no ano passado. E para o ano vou sentir menos culpa ainda.

O sábado é o nosso dia, e é inalienável.

De manhã cirandamos pela cidade, passeando o Melville. Às vezes sentamo-nos a debicar uma Dona Amélia e a ver a chuva cair, outras agarramos no carro e damos uma volta à ilha, lentamente, ouvindo os pneus pisar o orvalho.

Nos melhores dias compramos um frango assado e paramos num cerrado com vista. Comemos, deitamo-nos a ler e ouvimos o vento. Nos piores vamos ao Bar do Abismo, nos Biscoitos, e embriagamo-nos de vinho a copo e chouriço à bombeiro – e depois voltamos devagar, freguesias fora, tentando descortinar entre o nevoeiro as silhuetas de São Jorge, do Pico, da Graciosa.

No alarms and no surprises, canta Malia. Tenho o disco no porta-luvas desde o primeiro dia – quase todas as semanas o ponho no leitor.

Ao sábado.

Diário de Notícias, Dezembro 2014

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Joel Neto


Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974, e vive entre a freguesia rural da Terra Chã, na ilha Terceira, e a cidade de Lisboa. Publicou, entre outros, “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Banda Sonora Para Um Regresso a Casa” (crónicas, 2011) e “Os Sítios Sem Resposta” (romance, 2012). Está traduzido, editado e/ou representado em antologias em países como Inglaterra, Polónia, Brasil, Espanha e Itália. Jornalista de origem, trabalhou na imprensa, na televisão e na rádio, como repórter, editor, autor de conteúdos e apresentador. Hoje, dedica-se sobretudo à crónica, ao diário e à crítica, que desenvolve a par da escrita de ficção. (saber mais)
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