Terça-feira, 21 de Abril de 2015
publicado por JN em 21/4/15

IMG_4529.JPGSempre que penso nos primeiros tempos, lembro-me daquele dia em que fomos à RIAC actualizar os documentos. Somos maus com burocracias, ou pelo menos com aquelas que não envolvem penhoras bancárias. Mas estávamos felizes com a mudança e ansiosos por oficializá-la. A Loja da RIAC, versão regional da Loja do Cidadão, tratava de tudo.

“É mais rápido do que em Lisboa”, tinham-nos dito. E, portanto, em vez de limparmos dois dias de agenda, munindo-nos de farnel e tenda de campismo, tomámos um pequeno-almoço reforçado, comprámos garrafas de água e fomos ter à sucursal de Santa Bárbara, instalada no edifício da Casa do Povo, e onde – garantiam-nos – perderíamos menos tempo.
Despachámo-nos em dez minutos. Exagero: oito. Numa salinha onde entravam e saíam velhotes, com a cerimónia de que só os homens do campo sabem revestir-se, uma senhora aviava. Tinha um saco de cebolas no chão, oferecido por algum desses velhotes a que dera uma ajuda com os papéis, e os seus dedos dançavam sobre o teclado como se antecipassem as nossas respostas.
A certa altura, deixei a Catarina a assinar no scan e fui meter-me com a criança sentada na mesa ao lado, a colorir com canetas de feltro. “E tu, és o dos passaportes ou o da conta da luz?” O menino fez um ar pispirreto: “A p’ssora ‘tava doente, home’!” E pôs-se a pintar uma barba ao boneco que tinha à frente, levantando os olhos na minha direcção e copiando cada arabesco, cada pêlo solto, cada pelada.
Pareceu-nos logo um lugar onde gostaríamos de viver: um lugar onde a tecnologia de ponta podia coexistir com um saco de cebolas, uma criança a colorir e alguma eficiência. Nesse sentido, decepcionámo-nos um pouco. Às vezes, no lugar das cebolas está uma dúzia de ovos, o que faz muito mal ao colesterol.

Diário de Notícias, Abril 2015

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Joel Neto


Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974, e vive entre a freguesia rural da Terra Chã, na ilha Terceira, e a cidade de Lisboa. Publicou, entre outros, “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Banda Sonora Para Um Regresso a Casa” (crónicas, 2011) e “Os Sítios Sem Resposta” (romance, 2012). Está traduzido, editado e/ou representado em antologias em países como Inglaterra, Polónia, Brasil, Espanha e Itália. Jornalista de origem, trabalhou na imprensa, na televisão e na rádio, como repórter, editor, autor de conteúdos e apresentador. Hoje, dedica-se sobretudo à crónica, ao diário e à crítica, que desenvolve a par da escrita de ficção. (saber mais)
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