O Ti José Nogueira era uma das minhas personalidades favoritas. Sabia tudo sobre árvores, e o modo como brilhavam os seus olhos pequeninos mostrava que sabia muito sobre pessoas também.
O Luciano costuma contar que certa vez, ao roçar a quinta da Fonte Faneca, andou dias às voltas com uma queimada. Nunca conseguiu atear a fogueira, porque estava tudo verde e húmido. Foi pedir ajuda ao Ti José Nogueira e este veio no dia mais mal-encarado que encontrou, com dois fósforos na mão. Olhou para o firmamento, mediu o vento, a posição das nuvens e a alma do anfitrião, e inclinou-se sobre a ramagem.
Ateou uma queimada linda e ainda poupou um fósforo.
O Ti José Nogueira plantou-me um castanheiro, um dia. De vez em quando vinha vê-lo. E podou duas tangerineiras ao meu pai de um tal modo que hoje temos tangerinas para nós, para os melros e para algum vizinho que se engane no portão.
Às vezes eu dava-lhe boleia, de regresso do cemitério. Visitava sempre a campa da mulher. Cheguei a deixá-lo na Feira do Gado, onde ainda se negoceia em contos de réis. Encontrava-o com frequência a conversar com o Vieira, na cozinha deste, quando ia lá buscar sementes.
Conversavam muito, naquela amizade triste dos homens viúvos.
O Ti José Nogueira enterrou-se domingo. Perguntei o horário do funeral na venda e fui despedir-me. Leu-se do Êxodo, de Primeira a Coríntios e do Evangelho Segundo São João. A igreja estava cheia e eu era o único que não sabia quando levantar, sentar e cantar.
Do Ti José Nogueira não rezará a História. Quem mudou o mundo não foram os camponeses honestos, que pagaram os seus impostos e encheram a igreja da freguesia no dia em que foram a enterrar. Dos aventureiros, dos inventores e dos facínoras – deles, sim, reza a História.
Por isso se inventou a literatura.
* Diário de Notícias, Março 2015
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