Terça-feira, 14 de Abril de 2015
publicado por JN em 14/4/15

IMG_6668.JPGE, então, porque não podemos viver de outra maneira, escrevemos. E cai-nos o cabelo e apodrecem-nos os dentes, como dizia Flannery O’Connor.

E somos uns chatos. E somos maus maridos e maus filhos e maus amigos. E sentimos culpa, e sentimo-nos indignos de estima, e continuamos, mesmo assim, a não responder quando falam connosco.

E não telefonamos nos anos, nem aparecemos nos churrascos, nem vamos ao café. E, se vamos, a única coisa de que falamos é disso: do livro. E tudo aquilo sobre que se conversa pode servir ao livro, caso contrário não nos importa.

E somos os maiores quando um parágrafo nos sai bem, e ficamos de rastos quando não encontramos um verbo. E sabemos que tem de ser mesmo assim, porque se não for o romance fica uma merda. Mas sentimos culpa na mesma.

E não pagamos as contas, e esquecemo-nos de pedir a garrafa do gás, e calçamos meias de pares diferentes. E de repente queremos fumar dois maços de cigarros e beber meia garrafa de uísque, sozinhos no jardim, a olhar para a noite e a chorar.

E temos de fazer um esforço para mudar de roupa, e não cortamos as unhas, e pomos lembretes no telemóvel para tomar os antibióticos e dar a comida ao cão a horas. E conduzimos depressa, e arranjamos chatices com as Finanças, e é uma sorte chegarmos vivos ao fim do dia, e às vezes acontece até não chegarmos.

E queremos desistir, e queremos ter um trabalho braçal, e queremos ser amigos. E queremos ser maridos e pais e atenciosos. E, quando ainda não perdemos de vez a esperança, escrevemos coisas como esta, para nos justificarmos.

E exageramos imenso. Mas continuamos escrevendo.

Entreguei esta madrugada o novo livro à editora. É o meu primeiro romance escrito no campo. Trabalhei nele durante mais de três anos, como um louco, e agora acho que precisava só de mais um dia.

Diário de Notícias, Abril 2015

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12 comentários:
De Manuela Cunha a 14 de Abril de 2015 às 22:57
E somos leitores atentos e ávidos do romance escrito no campo porque nos dará em bom todo esse esforço!
E que no fim tudo fique bem (até os problemas com as finanças).
Muitos Parabéns!
De JN a 15 de Abril de 2015 às 17:00
Muito obrigado, Manuela. Felizmente, não tenho problemas com as Finanças. Vade retro! :)
De JN a 15 de Abril de 2015 às 17:01
Se porventura tiver paciência, envie-me o seu endereço postal. Teria muito gosto em enviar-lhe um convite para o lançamento. Obrigado. JN (neto.joel@gmail.com)
De Miguel Barcelos a 15 de Abril de 2015 às 16:37
Para quando?
De JN a 15 de Abril de 2015 às 17:00
19 de Maio nas bancas. Manda-me o teu endereço postal, para te enviar convite! :)
De Miguel Barcelos a 15 de Abril de 2015 às 17:48
Obrigado! Mando endereço pelo Face.
De JN a 15 de Abril de 2015 às 18:06
:) Perfeito. Obrigado.
De Isa a 15 de Abril de 2015 às 16:47
é isso, mesmo, mesmo isso...
De JN a 15 de Abril de 2015 às 16:59
:) Obrigado, Isa.
De JN a 15 de Abril de 2015 às 17:01
Se porventura tiver paciência, envie-me o seu endereço postal. Teria muito gosto em enviar-lhe um convite para o lançamento. Obrigado. JN (neto.joel@gmail.com)
De Júlio da Cal a 23 de Agosto de 2016 às 14:25
Adorei o Arquipélago. Não sou grande leitor, nem percebo nada do assunto. Adorei a história, as paisagens e os personagens. Relembrou-me o pouco que conheço da Terceira. Tenho pena que houvesse um "final", pois as personagens tinham tanta história que cada uma podia dar um outro livro. Quero mais... quero mais aventuras do José Artur menino e do J. A. de Lisboa e do avô e do pai e de todos. Cumprimentos com um pedido de ... venham de lá mais.
De JN a 23 de Agosto de 2016 às 15:58
Um grande abraço, Júlio. Muito obrigado. Que pisemos o verde um dia destes! Joel

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Joel Neto


Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974, e vive entre a freguesia rural da Terra Chã, na ilha Terceira, e a cidade de Lisboa. Publicou, entre outros, “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Banda Sonora Para Um Regresso a Casa” (crónicas, 2011) e “Os Sítios Sem Resposta” (romance, 2012). Está traduzido, editado e/ou representado em antologias em países como Inglaterra, Polónia, Brasil, Espanha e Itália. Jornalista de origem, trabalhou na imprensa, na televisão e na rádio, como repórter, editor, autor de conteúdos e apresentador. Hoje, dedica-se sobretudo à crónica, ao diário e à crítica, que desenvolve a par da escrita de ficção. (saber mais)
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