Sempre que posso, visito a D. Maria de Fátima. Desço a Terra Chã na direcção da Boa-Hora, viro para o Pico da Urze e, antes de chegar às Figueiras Pretas, estaciono em frente à escola primária das Bicas de Cabo Verde.
A geografia não é de somenos. Durante anos, eu chegava de Lisboa, para férias ou reportagens, e a primeira coisa que fazia era percorrê-la. A d. Maria de Fátima coze um pão de milho sem igual aqui na ilha. A certa altura, deixou de haver sentido em regressar, sentar-me à frente do cozido de suã que a minha mãe me preparava e não ter aquele pão de milho.
Mas, sobretudo, a D. Maria de Fátima vem da Urzelina, na ilha de São Jorge. O meu avô também vinha da Urzelina. Visitá-la era como começar cada regresso com um pedido de bênção aos meus antepassados. Tornou-se-me muito íntimo, aquele trajecto – quase uma via sacra.
Está sempre de faces rosadas, a D. Maria de Fátima. Já ultrapassou os 75 e continua a trabalhar. Tem netos em cursos supletivos, e infelizmente a ética de trabalho também já não é o que era. Sempre que a visito, queixa-se dos tempos e dos esforços a que ainda tem de dar-se. Mas eu sei que, mesmo que pudesse, não deixaria de cozer o seu pão. Ali, ao fundo daquela rampa, naquela antiga garagem que há tantos anos transformou em forno – ali está a sua consola de comando, a sua janela sobre o mundo.
A D. Maria de Fátima raramente me deixa pagar o pão. Se o quero mesmo fazer, tem de ser à má-fila. Quando lanço um livro novo, vou lá levar-lho. Outras vezes limito-me a aceitar o seu presente e dou-lhe dois beijinhos. Ela não quer, porque está afogueada do calor do forno, suando. Mas eu faço um ar despachado e dou-lhos na mesma.
Esta crónica não tem uma punchline. Procurei-a e não a encontrei. É porque a D. Maria de Fátima não precisa.
Diário de Notícias, Abril 2015
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