Primeiro são os termos. Piscas e pechinchinhos. Tarelos e tafulhos. Gamas e donetes, sueras e alvarozes. Cambetas, banaços, batacús. Derriços e enriços. Belicas e biscoitas. Valhacas e maraus. Pitafes e tricofáites. Custódios, alaricados, laparosos. Naiões, basões e tatões. Às vezes trata-se apenas de um português mais antigo, não tão distinto assim daqueles que encontramos em Trás-Os-Montes ou nas Beiras. Mas também há americanismos, eufemismos, regionalismos em geral – até localismos vindos de uma memória popular mais recente do que imaginamos.
Depois são as expressões. As sinestesias. As metonímias. As metáforas. As hipálages. “Tu és um disparate!” como elogio: és o maior. “Faz-te discretinho!” como ralhete: está sossegado. “Eu digo-lhe vergonhas” como gabarolice: digo-lhe tudo quanto me apetece e ela ainda não me esbofeteou. “Salta p’á carrinha!” como malandrice: anda cá, garota, que eu faço-te desgraças. “Já estás a derramar” como alerta: não bebas mais que só dizes asneiras, vê-se logo que estás “três vezes nove vinte e sete”.
Ou bêbedo.
Uma pessoa vai na urbana e não tarda está a meter conversa com a senhora que torce o nariz a um miúdo ao fundo.
– Credo, aquele rapaz é um cegão...
– O que é "cegão"?
– Está sempre a tecer!
– O que é "tecer"?
– É inticante.
– Ah.
“Urbana” é a carreira urbana: o autocarro que vai das freguesias à cidade. Fora as horas de ponta, leva sobretudo velhotas: algumas aberrocidinhas, outras mais tenteadinhas e outras já encarreiradinhas. Em havendo bagalhoço, o sol brilha.
Quem poderia resistir ao falar desta terra?
Diário de Notícias, Novembro de 2014
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