Para a semana faço uma alcatra e convido os Pereiras. A Telma veio cá ontem trazer uma posta de carne. Tocou ao portão e disse: “É uma esmola pelo Senhor Espírito Santo, que tem estado comigo este tempo todo.” Deu uma palmadinha na barriga.
A Telma é a mais nova dos oito garotos da minha primeira infância: quatro casais de irmãos que faziam tudo juntos. Está grávida e isso surpreendeu-me. A gravidez precoce alastra nestas ilhas, mas aos sete anos é realmente cedo de mais.
Até à Segunda-Feira de Pentecostes, o sino do portão tocará mais vezes. Só aqui na Terra Chã, há quatro impérios do Divino. Cada um deles celebrará o Bodo à sua maneira, e em vários casos o mordomo acabará por fazer-nos chegar uma esmola.
Subsiste uma utopia nisto. Cientistas estudaram as Irmandades do Espírito Santo, disseminadas desde o século XVI, e encontraram na sua extraordinária horizontalidade os mesmos elementos em que ainda hoje se sustentam modelos de gestão de excelência dos países mais desenvolvidos.
É uma forma vanguardista de democracia. E, no entanto, é também mais do que isso. As marcas deixadas pelos primeiros habitantes desta ilha, quem quer que tenham sido, estão impregnadas de uma sabedoria ecológica precoce. A sua relação com os elementos exprime percepções particulares da morte e do transcendente, e resiste nelas uma sensibilidade ambiental que marca tudo o resto: a religião e a mitologia, o folclore e os saberes.
O culto do Divino é o resultado disso tudo. O culto, as irmandades e a filosofia do Divino. O misticismo e a partilha destas sete semanas após a Páscoa.
Até 25 de Maio, viveremos sob esse signo. A seguir vêm as touradas à corda. Se tenho mesmo de pertencer a um grupo, ademais humano, ainda bem que é a este.
Diário de Notícias, Abril 2015
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