Metade das razões por que continuo a fazer uma horta prendem-se com o gosto de comprar os plantios. Uma horta dá pouco rendimento e, para quem tantas vezes tem menos tempo livre do que gostaria, pode até constituir factor de stress.
Custa ver a monda a crescer e os caracóis passeando-se e os melros de tomate-cereja no bico sem, no momento certo, poder sair ao quintal e mostrar-lhes quem manda. E, no entanto, só esse primeiro sábado de Primavera, em que desço à cidade a comprar plantios e sementes, já vale a pena.
Sábado foi assim. Angra estava feliz, famílias inteiras circulando pelos fornecedores de ocasião e pelas lojas especializadas. Havia fila no Basílio Simões. Homens conversavam sobre futebol no José Tomás e no Flores & Parreira. Senhoras cirandavam entre as prateleiras das boutiques com um cartuchinho de couve merceana na mão.
Só não fui ao Mercado do Gado no domingo porque era Páscoa e Jesus expulsa os vendilhões. Foi pena, porque gosto de ver os velhos a negociar, fingindo-se desinteressados, passeando em volta e desgastando o oponente até lhe desferirem o seu golpe quase capitalista. É o meu modo de prolongar aquele sábado.
Assim, regressei ao velho estabelecimento de Basílio Simões & Irmãos, com as suas portadas largas e os seus cheiros a especiarias. Em redor conviviam panelas de ferro, sacas de ração animal e bacalhau seco, funis de plástico, papel de parede e guarda-chuvas de chocolate, fogareiros e óleos de fígado de bacalhau, tachos de alumínio e brinquedos. Ao lado, numa salinha, três idosos faziam contas, vestidos de negro.
Comprei o que precisava e mandei embrulhar em papel pardo. Depois pus-me a passear. Pelo menos três pessoas conhecidas abriram os braços, num sorriso benigno: “Olha, o Joel veio à cidade!”
Diário de Notícias, Abril 2015
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