Sentamo-nos antes da uma e já vem saindo gente. Almoça-se muito cedo, aqui. A certa altura, uma senhora comenta para outra: “Credo, com este vento...” Acha-nos malucos. Mas nós estamos confiantes: ao final de uma semana de trabalho, a ordem cósmica vai encarregar-se de fazer o vento rodar para Norte, deixando-nos protegidos sob os toldos.
Mandamos vir um Frei Gigante e uma travessa de lapas grelhadas. A Catarina gosta das bravas e eu gosto das mansas, o que talvez pudesse dizer tudo sobre nós mas não diz. Estas foram apanhadas há algumas horas, aqui mesmo ao lado, e o modo como recebem a manteiga, o alho e a massa de malagueta prova que foi para isto que nasceram.
Limitamo-nos a fazer parte de uma cadeia. Estamos aqui para servir.
Comemos uma sopa de marisco, apresentada dentro de um pão, e mandamos vir o peixe. Se for Inverno, talvez cherne. Se for Verão, lírio de certeza.
Ou então uma mista, daquelas que o Fernando costuma sugerir. O espadarte, dispensamos. Se não há lírio, então uma garoupa ou um boca negra, mais uma posta de cântaro e outra de xaréu.
Lá de trás, da igreja com as grandes portas vermelhas, toca o sino. De vez em quanto chega uma embarcação, que o guindaste iça para terra, enquanto um senhor com uma prancheta manda pesar as safatas. Passam crianças correndo atrás de uma bola.
Um rapaz com ar de cobói.
Uma motorizada.
E nós ali, a fumar, satisfeitos porque o vento mudou para Norte, ou então é do Frei Gigante – sonhando comprar uma chata com motor fora de borda, para passear aos sábados.
Os restaurantes tornaram-se o nosso grande luxo burguês. Perdemos o gosto das boutiques e dos stands, e o cinema anda impossível de se ver. Aos restaurantes, ainda vamos.
Mas a esplanada do Beira-Mar, num sábado de sol, não é restaurante: é milagre. Ademais se vista a partir de sexta-feira.
Diário de Notícias, Fevereiro 2015
Editoras:
Media:
Associações:
Blogs: