Quem me falava das estrelas era o meu avô. Punha-se no jardim, a dobrar o lenço-da-mão, e fazia o seu ar pesaroso. Falava-me de Cassiopeia, das Ursas, de Andrómeda. Eu só gostava do Sete-Estrelo.
Ele perguntava: “E aquela?” E eu: “Dragão.” “E aquela?” “Girafa.” De três em três, voltava à casa de partida, com um risinho: “E aquela?” E eu: “O Sete-Estrelo!” E prolongava a sílaba, com o meu ar suplicante.
As pessoas da Terceira, como eu, fazem um ar suplicante. As de São Jorge, como o meu avô, um ar pesaroso. Às vezes é como se lhes tivesse morrido a esperança. O que, no caso do meu avô, tinha algo de extraordinário, porque eu nunca conheci ninguém mais esperançado.
Não há dia em que eu saia à rua e não procure o Sete-Estrelo. Às vezes murmuro aquele fado que o Zeca Medeiros escreveu para a Mariana Abrunheiro. Outras fumo um cigarro.
Acho que me apaixonei pelo Sete-Estrelo por causa do seu aspecto módico, minúsculo, como se até eu, rapazinho, pudesse trazer uma constelação no bolso. Ou então o nome parecia-me simplesmente engraçado.
Em Lisboa era difícil ver as estrelas. Eu vinha à varanda com o gin na mão, para impressionar as raparigas, e não encontrava uma que fosse. Creio que foi aí que comecei a dividir as terras entre aquelas em que se pode ver as estrelas e aquelas em que não se pode.
Aqui vêem-se muito bem as estrelas. Até numa noite de Inverno como esta, em que fumo um cigarro e penso no meu avô e no modo pesaroso como dobrava o seu lenço-da-mão, para disfarçar a esperança.
Quase sinto pena de ter descoberto, entretanto, que o Sete-Estrelo não é uma constelação, mas um simples aglomerado. No fundo, não me importo. As mentiras em que as pessoas sustentam a sua felicidade são tão válidas como as verdades.
Diário de Notícias, Fevereiro 2015
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